sábado, dezembro 27, 2008

Rich Noveau

Fiquei muito tempo sem postar nada por aqui, e esse tempo correspondeu exatamente com o início do curso de psicanálise que ingressei no meio do ano - cuja matéria me dediquei todo este semestre, e a qual me dedicarei pelos próximos 2 anos e meio. Estou satisfeito até o momento.

Contudo, fui impelido a voltar a escrever por aqui para registrar um termo que me surgiu em meio ao meu último passeio por São Paulo, observando a arquitetura dos novos prédios residenciais, suas varandas luxuosas, de formas diferentes, algumas redondas e cheias de adornos modernos - muitas delas inspiradas por este estilo de decoração tão em alta ultimamente, clean e com adornos de metal, o chamado, por mim, obviamente, rich noveau.



terça-feira, maio 27, 2008

'Há uma grande ironia nos tempos atuais que pouca gente tem notado. É o que se fez com o conceito de moderno. Qualquer pessoa que mergulhe na história da afirmação da modernidade, naquele arco de tempo que vai de 1875 a 1925, digamos - ou maior ainda, de Baudelaire a Buñuel -, sabe que a cultura modernista veio em reação a um mundo governado por aparências, por hierarquias formais, por julgamentos baseados em estigmas. Pois bem. Às avessas, o mundo continua, nesse quesito, praticamente o mesmo. Todos continuam mais interessados nas aparências, para não dizer que estão ainda mais interessados do que estavam nos tempos dos "bons costumes". O sentido moral é outro, ou disperso, mas o cerne é igual. A nova uniformidade é a diversidade."

Um aspirante a escritor é chamado de "O poeta!" em seu pequeno círculo de relacionamento, mesmo que poucos tenham lido mais do que duas linhas de seus escritos. A secretaria do advogado recém formado insiste para que o título de Doutor preceda o nome de seu patrão, e ela mesma esconde o sorriso se a chamarem de recepcionista. Uma jovem bonita e vaidosa (para não dizer narcisista) escreve em seu perfil: "Você tem estilo? Tenha o seu!" e se convence que tem talento para moda, mesmo sem nunca ter se perguntado porquê surgiram os óculos escuros. Turma de amigos se acha especial porque está curtindo dias de férias
entre rostinhos bonitos num país em que se fala outra língua. Executivos se acham "very-important-people" porque usam termos em inglês em reuniões de negócios. Gananciosos frustrados se iludem com qualquer maneira de ganhar dinheiro, desde criar um blog ou escrever letras de música. Uma pelada entre amigos dá lugar a competição entre desconhecidos.

No dia-a-dia o termo moderno só é aplicado às pessoas que se vestem com modelos de roupa recém lançados e mais conceituais, ou para aqueles que têm uma postura mais flexível em seus relacionamentos, como aquela esposa que permite que o marido cultive uma amizade mais próxima com outra mulher. "Ela no mínimo, é modeeerna!"

É isso aí... a modernidade.


segunda-feira, maio 19, 2008

Aforismo


"Ler é ler a vida". Daniel Piza

Ao usufruir uma obra de arte, e repito usufruir, pois não é por nenhum outro motivo que as buscamos – PRAZER – especialmente a leitura, esta atividade humana (cerebral?) que se baseia na decodificação de códigos gráficos e na criação de imagens da realidade do leitor baseadas na linha de pensamento criada pelo autor. Portanto, ler é ler a vida a partir da leitura de outro.



domingo, maio 18, 2008

Uma poeta

Vou colocar um poema de uma autora pouco conhecida de nós brasileiros: Wislawa Symborka. Sim, seu nome é impronunciável. Seus textos têm a força da realidade mais simples e direta, e somos confrontados com a terrível verdade de que o mundo e as coisas independem de nós. Desta forma, ainda que ninguém acesse este blog, para ninguém divulgo sua poesia:

A alegria de escrever:

Para onde corre este servo escrito na floresta que escrevi?
É para beber da água escrita,
que desenha seu focinho?
Por que ele ergue a cabeça, escutou algo?
Apoiado nas quatro patas emprestadas da verdade
ele apura as orelhas sob meus dedos.
Silêncio - essa palavra ressoa na textura do papel
e afasta os galhos
que brotam da palavra floresta.

Sobre a folha em branco há letras espreitando
que podem tomar o mau caminho
formando frases ameaçadoras
das quais nada escapa.

Em cada gota de tinta há um bom estoque
de caçadores de olho na mira,
prontos a descer pela caneta íngrene,
cercar o cervo e apontar armas.

Eles esquecem que aqui não há vida de verdade.
No preto-e-branco vigem outras leis.
Um piscar de olhos durará o tempo que eu quiser
e poderá ser dividido em pequenas eternidades,
cada uma com chumbo suspenso em pleno vôo.
Aqui nada acontecerá sem meu aval.
Contra minha vontade, nem uma folha cairá
e nem uma grama se dobrará sob o casco do cervo.

Então não existe um mundo
onde eu possa impor o destino?
Um tempo que eu teço com uma corrente de sinais?
Um existência que, a meu comando, não terá fim?

A legria de escrever.
O poder de preservar.
Vingança de uma mão mortal.



Não há nenhuma edição em português lançada no Brasil. Há uma edição portuguesa...

quarta-feira, abril 23, 2008

Um presente roubado

Assisti a "Um beijo roubado", em inglês, "My blueberry nights", o novo filme de Wong Kar Wai, seu primeiro filme rodado nos Estados Unidos. Um dos temas e uma das narrativas paralelas ao enredo-pilar é a do apaixonado que não consegue se libertar do antigo amante, e vive sem viver como um errante obcecado pelo passado.
Este sub-tema ou sub-trama - como preferirem (afinal leitor, você é quem sabe tudo!) - é inclusive um dos pontos fortes do filme, com atuações empolgantes dos atores, a mais conhecida, Raquel Weisz.
Mas não é para dar minha impressão do filme que resolvi escrever este, motivado na verdade por outra coisa, por esses escravos do passado acorrentados por um sentimento que alimenta e sufoca. Pois dias desses encontrei um "desses" numa situação insuspeita - numa reunião de negócios dessas de mais de 3 horas, com um representante de empresas de cartões para postos de gasolina, que percorre de Porto Alegre a Rio Branco em poucos dias, e todos os dias na estrada de postos em postos, de restaurante em hotéis baratos de beira de estrada. Num breve momento de pausa, eis que olhando pela janela numa tarde escura, quando eu esperava que ele falasse de uma idéia para o projeto em discussão, ele diz, com um ar distante:

- Só me resta trabalhar nessa vida... O céu é cinza!

Não entendi.

- Ninguém sabe porque ela me deixou!

A reunião logo acabou e no café ele me disse que se referia a uma mulher que o havia deixado há 10 anos atrás, e que, desde então nunca mais havia se relacionado com outra mulher. Hoje ele tem apenas 35 anos...

Mas ele não deseja ou por qualquer motivo não a esquece... E eu me pergunto se isso é amor ou loucura.


terça-feira, abril 15, 2008

Definição: Yuppie

Não sou tão velho assim, e já há algum tempo que não vejo a palavra yuppie... muito usada em sentido pejorativo.

Para quem não conhece, aí vai a definição do Houaiss:

Diz-se de ou jovem executivo, profissionalmente bem remunerado, e que gasta sua renda em artigos de luxo e atividades caras.


quarta-feira, abril 09, 2008

Caveirão: breve descrição

Na revista Piauí de abril, saiu uma curiosa matéria sobre os "caveirões", também conhecido como VBTP (Veículo Blindado de Transporte de Pessoal), descrito da seguinte maneira:

"Por dentro, a caixa preta de 3 metros da altura e 5 metros de comprimento se revela mais compacta que o esperado. Diante de um painel parecido com o de um carro comum, há 2 bancos de couro sintético e a caixa de marchas. No teto, um rádio transmissor novo. Entre as duas portas laterais, um vão amplo e alto permite que policiais fiquem de pé sem tocar o teto. De onde, através de pequenas aberturas, se pode disparar para todos os lados. No fundo, perpendicular à porta traseira, um banco de assento curto tem 8 lugares. O chão é recoberto por uma chapa metálica antiderrapante, e as paredes dispõem de mais de vinte buracos para que os policiais coloquem o cano de suas armas para fora e atirem. As janelas são pequenos retângulos com vidro à prova de balas. O pára-brisa leva a proteção de uma chapa de aço que, além de reduzir o campo de visão do motorista, diminui pela metade a luminosidade do carro. Escuro e sem ar circulante, o espaço é claustrofóbico."

Há 12 desses "caveirões" circulando pelas favelas cariocas.

Não, não tenho nada para dizer a respeito - é só por curiosidade mesmo!

segunda-feira, abril 07, 2008

Afinidades

"Muitos livros devem o seu sucesso à afinidade entre a mediocridade das ideias do escritor e as do público."


Ao ler a frase acima, sim, de novo ele, Sebastien-roch de chamfort, logo me veio à cabeça o sucesso de Paulo Coelho - uma literatura superficial para leitores em busca de uma espiritualidade superficial.
E não é só para os livros ou para as artes em geral que a mediocridade é ingrediente para o sucesso - infelizmente no âmbito da política muitos candidatos são eleitos graças à afinidade entre a ignorância profunda do candidato e do público. Vide bula, ops, vide Lula!

quarta-feira, março 26, 2008

Vivo acuado por uma horda de ignorantes

"Neste mundo, existem três espécies de amigos: aqueles que nos amam, aqueles que não se preocupam conosco, e os que nos odeiam."


Sebastien-roch de chamfort


Hoje farei uma afirmação que aos "corretos" irá soar arrogante:

- Vivo acuado por uma horda de ignorantes!

Aqui posso admitir coisas que penso intimamente, mas que não tenho a mínima coragem de admitir nem aos meus melhores amigos; talvez com o receio de parecer arrogante e pretensioso - na verdade, há muitas coisas que omito com esse receio - será covardia? Em determinados estados de espírito, eu negaria tal afirmação veementemente...

Numa mesa de bar com homens: após horas de conversas sobre dinheiro (quanto será que fulano ganha?), trabalho (como sou foda no trabalho! apesar de não ter uma carreira tão brilhante assim!), mulheres (como fulana é gostosa - sem qualquer menção, ao menos, à simpatia) ou sobre carros (tal carro é assim e assado), ADMITO: fico a pensar em como meu repertório é muitas vezes maior do que o deles, e suas referências são infinitamente inferiores.

Numa mesa de café com mulheres (elas acham chiquérrimos os cafezinhos): já quando o papo sobre a alimentação saudável, os seriados, os best-sellers (leêm um livro a cada 2 anos, mas quando o fazem, hão de propagandear aos quatros ventos), as aventuras no trabalho (hoje elas também são obcecadas com o trabalho), fico sim a pensar como bons livros, ou mesmo bons artigos de jornais poderiam fazê-las enxergar um pouco além de suas próprias vidas...

O açoite ganha em pungência com a arrogância (da qual me esforço por escapar): há aqueles que andam por aí, sábios, senhores de si e do mundo, a proferir suas lições com a pretensão que só aos mais ignorantes pode atingir. Eu abaixo a cabeça e não discuto, aliás, traio-me e ponho-me a concordar com as inabaláveis verdades - covardia!

O mundo está sim apinhado de ignorantes a andar por aí confiantes, resolutos e bonitos e gostosos e felizes - e eu sentindo ódio e pena - Deus meu, que absurdo!




segunda-feira, março 17, 2008

Sébastien-Roch Nicolas de Chamfort

Ele escreveu os aforismos que eu gostaria de ter escrito.

"O público, o público, quantos tolos são precisos para fazer um público?"

terça-feira, março 11, 2008

O homem indignado - II

Das imbecibilidades atuais a mais vicejante é o mandamento da beleza feminina. Se uma imagem vale mais do que mil palavras, o que dizer deste anúncio de uma bermuda anticelulite:

“A mulher atual tem poder, atitude e voz para ser ouvida e compreendida, seja ela dona de casa ou empresária. Mas a mulher de hoje também tem uma característica marcante e presente há anos, passada e repassada por gerações: a beleza!”

Hilário foi o que disse o Túlio Maravilha, jogador de futebol ex-botafogo e seleção, no último domingo num quadro do fantástico, chamado “Pede que tocamos”, ou alguma coisa assim:

- Em homenagem ao dia internacional da mulher, peço: “Cala a boca e me beeeeijaa”.

Não? Sim, ele estava falando sério!

segunda-feira, fevereiro 25, 2008

O homem indignado - I

- Até que eu aguento bastante, mas tem hora que não dá. Dizem que sou revoltado, que sou radical; talvez exagere, ou será que são os outros que exageram na alienação. Vejamos:

As pessoas utilizam sua capacidade de discernimento e reflexão apenas para 2 coisas: ganhar dinheiro e consumir... Veja bem: não é por outro motivo que a economia mundial vem crescendo tanto, uma vez que depende, basicamente, do binômio trabalhar/consumir.

Com toda a energia e capacidade focados nessas atividades, o resultado são coisas fantásticas para comprar; ou alguém aí vai negar que os designs dos carros não são realmente lindíssimos ou que não gostaria de ver sua mulher utilizando os aparatos “fique gostosa” que as celebridades usufruem. Sim, comprando os aparatos “fique gostosa”, mulheres de feições obscuras, tortas, de rosto ou de postura; após alguns exercícios, maquiagens, roupas, sapatos “sou sexy” e uma cara de “quero dar” e, óbvio, algumas cirurgias, tornam-se belas mulheres fatais com andar confiante.

O que também prolifera são verdadeiros consumistas profissionais: além de já ter destravado o iphone para uso aqui no Brasil assim que foi lançado nos E.U.A., instalou todos os joguinhos e truquezinhos que o transformou em um "mágico do iphone". Seus números compreendem um gole de cerveja direto do iphone ou a visão radiográfica dos nossos ossos com a tela do aparelho: basta comprar - temos um show man! O consumista antenado conhece os melhores lugares para comprar de helicopteros a dvd´s piratas.

E a reflexão e o senso crítico não atinge o próprio consumo, e enfim, se vê com um off-road de última geração, de suspensão inteligente, com tração nas 4 rodas, literalmente impotente diante de quilometros de trânsito. No guarda-roupas, para cada 5 peças adquiridas e jogadas ali, 4 nunca sequer chegam a ser utilizadas...
Opta-se muito, escolhe-se pouco; pois ouve-se a música que lhe colocaram, para o cinema foi mais para comer pipoca do que para ver o filme, para o teatro foi uma vez na vida para poder dizer que já foi.
O que me resta? Só matando!

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

De madrugada, num refeitório qualquer de uma multinacional qualquer...

De madrugada,
num refeitório qualquer de uma multinacional qualquer, funcionários comem diante de uma parede que retrata a paisagem de uma praia, o mar e os coqueiros óbvios. Por quê deste retrato? Sim, um ambiente descontraído na hora das refeições, após 4, 5 ou sei lá quantas horas fazendo força, concentração, e muita disciplina (é uma multinacional alemã).
Não,
eles nem sequer olham para a parede, apesar de - para a maioria deles - ser a única paisagem naquele tamanho "quase" natural de uma praia que já tenham visto.
Na televisão,
passam programas obscuros pelos quais eles também não se interessam.
De manhã,
ou já à tarde, eles acordarão: como serão suas rotinas?

sexta-feira, fevereiro 08, 2008

No carro...

Mas é no carro que a reflexão ganha impulso... Sempre há quem diga que é o tempo que se passa na estrada que se encontra a oportunidade para pensar na vida, etc...

Talvez seja a dispersão absoluta da atenção diante das coisas passando, o efêmero contínuo e a ausência do desafio de se estar diante de uma realidade estática; e assim, com os olhos correndo as coisas exteriores, o pensamento percorre nosso turbilhão interior.

Eu sempre quis escrever um texto sobre essa experiência, pois ao volante passei e repassei momentos marcantes, e talvez até tenha sido o lugar em que mais derramei lágrimas - lágrimas arrancadas! É o palco perfeito para a dramatização da banalidade de nossas vidas, entre o escritório e o almoço, entre a casa e a padaria.

Aliás, certamente o carro é hoje o lugar preferido pelas pessoas para ouvir música. Eu, por exemplo, aprendi a gostar de música bem cedo, aos meus 11 ou 12 anos - mas a partir do momento que passei a dirigir, é no volante que descobri gêneros, e com as mãos ao volante nasceram as paixões musicais.

Nós e o carro tornamo-nos um só: um bólido musical e ardente em reflexões!


quinta-feira, janeiro 31, 2008

Turista em sua própria cidade

Tenho saído caminhar nas proximidades de minha casa... E apesar de morar há pouco mais de 3 meses aqui, não é menor a surpresa em descobrir toda uma paisagem com uma atmosfera e impacto totalmente diferente do que estou acostumado dirigindo o carro por aí. Como é diferente!

Turista em sua própria cidade: os muros parecem maiores e as ruas mais longas... Os viadutos guardam situações em si e nos levam a pensar nas coisas que já presenciaram.

E fico pensando em como as pessoas viajam por aí sem "conhecerem" realmente os lugares que visitam. E nunca se viajou tanto e tão mal... se nem ao menos conhecemos os lugares em que vivemos...

terça-feira, janeiro 22, 2008

Livro X Filme: "Reparação"

Quando nos deparamos com a adaptação de um livro para as telas, o mais comum é ouvir: "O livro é sempre melhor do que o filme".

Sim, adaptar um clássico é um desafio incomensurável - mas há grandes filmes baseados em livros, alguns melhores que estes. O que podemos esperar, talvez até devemos, é que o filme transmita a mesma equação de reflexão e emoção que o livro no qual foi baseado, ainda que para se chegar a isso o diretor tenha que adaptar a estória às suas percepções.

O filme "Desejo e Reparação", baseado no livro de Mc Ewan, "Reparação", inicia-se narrando os fatos de maneira mimética ao desenrolar dos fatos no livro, mas já com alguns problemas. No filme, vemos Briony acusar falsamente Roby por ciúmes e imaturidade. Perde-se a dimensão de Briony como uma garota fantasiosa e criativa, uma futura escritora.

Mas é no final que o prejuízo é maior: em seu depoimento final, ela parece apenas interessada em expiar sua culpa, confortar-se. E assim, perde-se a melhor reflexão do livro. Perda irreparável!