sexta-feira, outubro 20, 2006

O boteco da esquina

Tenho frequentado um boteco a 3 quadras da minha casa. Devo esclarecer que nunca fui um típico frequentador de botecos, desses que há muito não sabem o que é assistir um jogo de futebol em casa. E ainda que eu não seja um habitué de bares em geral, volta e meia eu sento numa mesa de bar para dar uns goles em boas e más companhias, afinal, ninguém está nem nunca estará livres destas últimas.
Admito também que acabei parando num boteco - muito ou pouco - decerto influenciado por essa “moda” dos botecos. Não é de ontem que eles têm sido frequentados por jovens, digamos, mais favorecidos; o que demonstrou que os botecos ganharam doses de glamour.
Por causa disto ou daquilo, o que interessa nessas mal traçadas é o fato de que afinal acabei sentando numa mesa de boteco. Que me desculpem os bares-não-botecos, os botecos são divertidíssimos.
O brasileiro se auto-denomina, com orgulho, como um povo heterogêneo, de grande miscigenação e diversidade cultural, e portanto, sem preconceitos. A realidade nos mostra que as coisas não são bem assim. No entanto, sentado num boteco, pensei: admitindo a possibilidade da sociedade brasileira como heterogênea, estar sentado num boteco é o primeiro ato de diversificação cultural. É o ato ideal de toda essa diversidade anunciada, pois, onde mais se imagina que se possam encontrar os sujeitos das diversas classes sociais, separados por nossas cidades partidas? Onde mais podemos conviver com o outro senão no boteco da esquina?

A despeito dessas e outras idéias que surgiram, uma noite me marcou mais que todas, não pelos pensamentos que me propiciaram, mas sim pela emoção que vivi. Eis que surgiu um violão na mão de um botequeiro de uns 60 anos, que tinha o apoio vocal de um negro desses de quem se diz, negão, somada a voz de um botequeiro calvo de uns 35 anos, desses que se curva “jeitoso” em direção ao violeiro.
Estou certo de que não se tratava de um trio de talentosos músicos, mas uma alegria tão genuína tomou conta do boteco que a música era embalada pelos sorrisos e estes pela música.
Uns pediam samba, outros Djavan, e o violeiro só sabia modas de viola, e a moda de viola embalava o bar de forma precária, é verdade, mas a sinceridade da emoção do trio nos embalava em emoções que nos ensinam que ser humano no século XXI é ter que brincar em casa quando criança, ter contas para pagar na maturidade; e apesar de tudo, emocionar-se no mais prosaico dos botecos de esquina.

quarta-feira, outubro 11, 2006

Palpites do Mestre Palpiteiro, Doutor em Pescoçar

Não sou psicólogo, psicanalista, nem muito menos psiquiatra. Tampouco trabalho com psicólogos, psicanalistas, nem jamais com psiquiatras. Também não trabalho em nenhum serviço de assistência social ou qualquer outra coisa que se assemelhe. Portanto, o que lhe direi a seguir, leitor, não é nada mais do que simplesmente baseado em minha experiência de mestre palpiteiro, doutor em pescoçar a vida dos outros. Meu campo de pesquisa são as pessoas com as quais cruzo pelas ruas, ou ainda em artigos de jornal com especialistas do assunto, mas que por serem artigos de jornais não passam de superficiais análises do tema.
A depressão é hoje uma epidemia.
Não descarto a possibilidade de que a conclusão a que cheguei seja distorcida simplesmente porque a depressão não era sequer classificada como patologia há alguns anos atrás. Esta possibilidade torna-se cada vez menos coerente para mim a cada dia que passa e a cada olhar que cruza o meu olhar.
De qualquer maneira, ao olhar nos olhos de muitas das pessoas, no trabalho ou em qualquer outro lugar, o que não é o caso de minha casa (estou morando “quase” sozinho), me deparo diante de olhos fugidios, ou em outros casos, sob um olhar de arrogância e felicidade ostensiva, revela-se um ser em pânico, especialmente nos pequenos silêncios que o deprimido almeja em evitar.
Uma frente de fatos que me reforçam tal convicção é baseada no encontro com pessoas as quais revelam quaisquer traços de depressão ou pânico; sendo que a outra frente de fatos talvez não seja tão óbvia como a primeira, mas que igualmente pode fazer sentido.
É verdade que a rotina e o modus pensandis das pessoas não lhes dá tempo para meditarem acerca de suas vidas, e consequentemente, questionarem a vida que estão levando.
A segunda frente dos fatos me vem da constatação de que vivemos um período de grande individualismo, ao ponto de as pessoas optarem por não terem filhos, simplesmente porque não podem suportar a idéia de terem que abdicar de algumas condições em favor da atenção que devem aos filhos, atenção esta, aliás, exigida em nossa legislação.
Ora, uma vida que se sustenta unicamente na obtenção de mais vantagens, confortos e prazeres para si mesma, em algum momento não fechará a conta, simplesmente porque tais necessidades jamais se satisfarão.
Não estou tratando de simples tristeza, de um desânimo passageiro ou da agridoce melancolia; esta é dorzinha que acaba por nos revelar um fogo brando, que arde ardidinho e faz da vida uma comunhão com a beleza.
É o que observo por aí. Ainda que eu não seja psicólgo, psicanalista e muito menos psiquiatra.