terça-feira, novembro 28, 2006

Palpites do Mestre Palpiteiro em: Nós e nossas crianças

Na minha família sou conhecido pelo estresse desde a adolescência, fase notória pela instabilidade emocional e os rompantes de estresse. Desde lá, sou um estressado típico a todo momento lutando por ordenar, inutilmente, o caos inerente à vida. Não ganho nada com isso, a não ser que dias a menos esteja entre um dos seus desejos.
Um estudo realizado pelo canal infantil Nickelodeon revelou que as crianças brasileiras são as mais estressadas do mundo, e sentem-se inseguras inclusive em relação a assuntos, digamos, muito mais distante de nós, brasileiros, como o medo de desastres naturais e da gripe do frango, no qual superaram as crianças chinesas que conviveram com a epidemia. Vi, sim, na revista Veja, baah, mas isso é papo para outra hora.
O estresse das nossas crianças tem origem no comportamento dos adultos, obviamente, e esse é aqui o meu alvo. O que esse estudo revela? O que nós adultos estamos fazendo para deixar nossas crianças assim tão estressadas? Se considerarmos que as crianças absorvem facilmente os estímulos dos adultos, porque nós, brasileiros, estamos deixando nossos problemas chegarem até as crianças?
A psicóloga citada na Veja elenca dois principais motivos para explicar o estresse das crianças brasileiras: o clima de catástrofe que se instalou no país, com os telejornais e outros programas televisivos dando mais ênfase para tragédias do que para aspectos positivos, por exemplo.
Até aqui tudo bem, entretanto, permitam-me a pretensão, gostaria de adicionar a perguntinha basiquinha: - Por que os brasileiros criaram todo esse clima de tragédia, considerando que a Indonésia, para ficar num exemplo fácil, viveu há pouco tempo uma tragédia de proporções muito mais graves do que qualquer tragédia viviva na história nacional? E aqui me lembro de uma: a perda da copa do mundo de 1950 para o Uruguai.
O brasileiro tem maior inclinação para a catástrofe? Se considerarmos o alarde que se fez nos dias dos ataques do PCC, quando explosões de rojões causaram corre-corre no centro de diversas cidades, e havia mais de 100 ônibus queimando quando na verdade havia 1 na cidade vizinha, chegaremos à seguinte conclusão: Sim o brasileiro tem inclinação para a catástrofe.
Nos sentimos mais inseguros simplesmente porque não conseguimos diferenciar o que realmente nos importa, o que realmente ameaça nosso bem estar. Por que nossas crianças se preocupam mais com a Aids do que as crianças africanas, onde a contaminação é infinitamente maior? Não sabemos diferenciar o que realmente nos ameaça, sentindo exatamente que tudo nos ameaça, talvez porque nos preocupemos mais com o porvir do que com o agora. Talvez nossa histórica “malandragem” nos faz querer prever problemas para, atevendo-os, poder dar um “jeitinho” e nos safar incólumes de tudo, e o resultado é esse: preocupação!
Outro motivo elencado pela psicóloga foi o fenômeno do alargamento da adolescência, que termina mais tarde, mas que, principalmente, começa mais cedo, tirando nossas crianças precocemente daquela inocência e ilusão que tanto caracterizam a infância. Para reforçar este argumento, eu não citaria a exposição excessiva das criancas ao mundo adulto, pois não creio que as crianças inglesas e americanas, por exemplo, sejam menos expostas ao nosso mundo.
E, mais uma vez “pedantemente”, pergunto: Por que nossas criancas entram mais cedo na adolescência, vulgo, emburrescência? Será que é porque valorizamos demais aspectos que só podem ser desfrutados por adultos, como o dinheiro ou a beleza e seu poder de massagear o ego, especialmente as meninas que querem ser logo classificadas como gostosas? Desta forma, a criança quer logo entrar no mundo adulto para também poder desfrutar dessas e outras coisas.
Bom, como Mestre Palpiteiro, permito-me mais um palpite: A superproteção que os pais dispensam aos filhos, fazendo a lição de casa para eles, não os permitindo dormir na casa do amiguinho, entre outras, faz com que se sintam mais e mais inseguros em relação à vida em geral. Mais um motivo.
O problema não está com as crianças ou com a maior ou menor exposição aos nossos problemas, e sim com nós adultos e nosso comportamento que, obviamente, afeta e sempre afetará nossas crianças.

segunda-feira, novembro 13, 2006

Mais um... desenganado

“Produzo, logo existo”
Talvez você desconfie que, iniciando um texto deste modo, eu seja um anti-capitalista, um socialista desenganado da vida depois que o Muro de Berlim caiu e a podridão do regime soviético ficou exposta para todo o mundo, ou após a frustração sofrida com o governo Lula.
Nada disso.
Então talvez você esteja desconfiado de que eu seja um hippie fora de época, um neo-hippie ou um adepto dessas pseudo-religiões que impregnaram muitas e muitas mentes.
Para não dizer que você nem mesmo chegou perto, confesso que de desenganado eu tenho um pouco, mas um desenganado crônico, desses desenganados congênitos que já nasceram reclamando, e que a realidade não frustrou em lhes oferecer inúmeros motivos para reforçar seu “desenganamento”, ainda mais assistindo a esta crise economo-político-ético-socio-antropo-ludopédica.
Ora veja, um país dividido por um abismo social que faz as classes média e alta tão ignorantes da realidade da periferia como a rainha francesa que teria sugerido brioches aos esfomeados que imploravam por pão – imaginem só se não estivéssemos na era da informação? Um país que apresenta um dos maiores números de cirurgias plásticas e uma das menores rendas per capita - só pode ter algum parafuso fora de lugar.
Não se tratam de monstros materialistas que pisam na cabeça dos pobres nas ruas (embora alguns cheguem perto disso, pois nem sequer cumprimentam o motorista do táxi ou a faxineira do prédio).
Não alimento uma visão maniqueísta do mundo. Sei que, atualmente, de consumista compulsivo ou exagerado materialista todo mundo tem um pouco (essa é para aqueles que odeiam as generalizações).
Entretanto, há dias em que a indignação me faz esquecer das minhas próprias torpezas, das minhas próprias contradições, e uma visão crítica e até neurótica se apodera de mim, mostrando-me o absurdo e o cinismo em que vivemos, absurdo que ganha matizes mais fortes nesses dias desencantados.
O homem contemporâneo é o homem que perdeu a inocência. Dificilmente nos sensibilizamos com uma notícia, mesmo com as instantâneas notícias da televisão ou da internet. Nada mais nos afeta, nada mais nos dá esperança. Vivemos por uma individualidade que dia a dia se enlouquece num jogo em que abundam ferramentas, mas que nos escapou o sentido.
Como escreveu Daniel Piza em um texto sobre os sentidos do romantismo: “Em kafka, por exemplo, é justamente por precisar tanto de esperança que o ser humano mata a esperança”. Então, agora, certamente em Kafka o ser humano, depois de ter matado a esperança, agonizaria num mundo pós-utópico.
Tenho a terrível sensação de que vivemos um erro; o ser humano é como aquele que simplesmente não deveria estar mais ali, um jogador num jogo de cartas, que mesmo após ter sido derrotado insiste em permanecer jogando.
Não disse que se tratava de um desenganado crônico?

quarta-feira, novembro 08, 2006

O prazer em ler os clássicos

Estou lendo “Em Busca do Tempo Perdido” de Marcel Proust, uma das maiores obras literárias da Literatura Francesa, comparado ao nosso “Dom Casmurro” de Machado de Assis, e ao que representa “Ulisses” de Joyce para A Literatura Inglesa. Daqueles livros que muitos conhecem mas poucos leram – eu mesmo ainda não li o “Ulisses”, confesso – e para os quais a grande maioria torce o nariz, sem compreender o motivo de sua importância, julgando-os enfadonhos e quase inelegíveis.
O livro de Proust certamente exige um esforço maior do leitor, com seus períodos intermináveis e exaustivos, uma maratona de palavras em estilo rigosamemente construído, que obriga o leitor a voltar inúmeras vezes para bem compreender o sentido pretendido pelo autor.
Proust renega o realismo e nos mergulha num turbilhão de análises psicológicas e enlaces subjetivos, não se confundindo com o fluxo de consciência característico de Virginia Woolf. Mal analisando, Proust nos revela a consciência dos personagens mais em ações do que em pensamentos, enquanto Virginia Woolf, ao contrário, nos revela mais em pensamentos do que em ações.
Voltando ao mote propriamente dito deste texto, tentarei transmitir a você, leitor – missão quase impossível e por isso mesmo arriscadíssima – o prazer em ler as obras literárias em geral, e mais especificamente, os grandes clássicos da literatura mundial.
A fruição de uma obra de arte e a leitura de um livro como “Em busca do Tempo Perdido” e suas minuciosas descrições de lugares, coisas e pessoas, que ao leitor desavisado podem parecer enfadonhas, nos faz viajar dentro de nós mesmos, em identificações insuspeitas e profundas, que nos surpreendem no instante mesmo em que as estamos fruindo, de modo muitas vezes incompreensíveis, intraduzíveis, aliás, inconscientes na maioria das vezes, não nos permitindo sequer poder explicar o fascínio que nos provocam.
Ler nos permite conhecer o outro na plenitude de seu ser, desnudo, destituído dos grilhões que a sociabilização nos submete, o autor focado no mais profundo de sua individualidade, e de tal modo focado no individual e subjetivo, que acaba por se conectar com o que tem de coletivo e universal.
Ler é conversar com pessoas de outras épocas, de outras culturas. É viajar parado como nos prometem os mais fascinantes delírios. E ler os clássicos é empreender as maiores viagens nos mais loucos delírios, guiados pelos maiores Mestres da técnica de transportar espíritos.
Para não ficar apenas em argumentos sutis e coquetes, digo mais: especialmente em dias em que a imbecilidade e a escassez de conteúdo predominam nas ruas, ler os clássicos é uma raríssima oportunidade de se comunicar com pessoas inteligentes, que fogem ao senso comum e nos presenteiam com pérolas de raciocínios, sensibilidades e experiências.

quarta-feira, novembro 01, 2006

Votando em 29 de outubro de 2006

Votar no último final de semana foi um gesto quase banal, desprovido de sentido como o é – pelo menos para mim – um dia como sete de setembro, data comemorativa como outras que diante de nós, cidadãos – mais uma palavra que não me faz muito sentido – a cada ano que passa, simplesmente passa.
Não é o caso do eleitor que não acreditava na vitória de seu candidato, tampouco é o caso do eleitor que não tinha um candidato. Havia uma eleição, havia um eleitor e seu candidato.
Não se trata daquele que não se interessa, que diz ter nojo de política. Também não se trata de apontar o dedo para as mazelas do sistema político. Não faltará quem o faça. Não se trata daquele jovem que busca uma “idealogia para viver”. Dessas já não fazemos idéia. Não há ideologia possível onde não há consciência do “coletivo”. Também não se trata daquele que defende a anarquia, pois nossos governos são desgovernos e nossa “ordem” já é uma desordem.
Saí de casa mais para realizar atividades banais como ir à padaria ou alugar um filme. Entrei no colégio como quem faz um passeio que guarda um sabor mais por encontrar pessoas com as quais normalmente não se cruza. Na fila da minha seção, encontrei um ex-vizinho dos tempos da infância, e conversamos sobre muitas coisas, não de política. Estávamos ali como quem cumpre mais uma obrigação, não um direito.
Um presidente se elege, mas não há com o que sonhar, pelo que lutar. Não há quem defenda princípios ou esboce qualquer reação ao status quo. Um partido há de sair derrotado, mas não há um projeto político derrotado. Não há projeto político num mundo em que não há mais motivos para a vida em comum.
Alguns ficam satisfeitos com o resultado da eleição, mas não ficam felizes – não há perspectiva de felicidade. Outros se dizem revoltados, e deixam claro que as palavras perderam mesmo o sentido. Os conceitos esvaziaram-se.
Voltei para minha casa, mas não estava interessado no desempenho de meu candidato. Liguei a televisão, e o assunto era eleição. Que eleição? Mais políticos discursando, mais análises...