segunda-feira, novembro 13, 2006

Mais um... desenganado

“Produzo, logo existo”
Talvez você desconfie que, iniciando um texto deste modo, eu seja um anti-capitalista, um socialista desenganado da vida depois que o Muro de Berlim caiu e a podridão do regime soviético ficou exposta para todo o mundo, ou após a frustração sofrida com o governo Lula.
Nada disso.
Então talvez você esteja desconfiado de que eu seja um hippie fora de época, um neo-hippie ou um adepto dessas pseudo-religiões que impregnaram muitas e muitas mentes.
Para não dizer que você nem mesmo chegou perto, confesso que de desenganado eu tenho um pouco, mas um desenganado crônico, desses desenganados congênitos que já nasceram reclamando, e que a realidade não frustrou em lhes oferecer inúmeros motivos para reforçar seu “desenganamento”, ainda mais assistindo a esta crise economo-político-ético-socio-antropo-ludopédica.
Ora veja, um país dividido por um abismo social que faz as classes média e alta tão ignorantes da realidade da periferia como a rainha francesa que teria sugerido brioches aos esfomeados que imploravam por pão – imaginem só se não estivéssemos na era da informação? Um país que apresenta um dos maiores números de cirurgias plásticas e uma das menores rendas per capita - só pode ter algum parafuso fora de lugar.
Não se tratam de monstros materialistas que pisam na cabeça dos pobres nas ruas (embora alguns cheguem perto disso, pois nem sequer cumprimentam o motorista do táxi ou a faxineira do prédio).
Não alimento uma visão maniqueísta do mundo. Sei que, atualmente, de consumista compulsivo ou exagerado materialista todo mundo tem um pouco (essa é para aqueles que odeiam as generalizações).
Entretanto, há dias em que a indignação me faz esquecer das minhas próprias torpezas, das minhas próprias contradições, e uma visão crítica e até neurótica se apodera de mim, mostrando-me o absurdo e o cinismo em que vivemos, absurdo que ganha matizes mais fortes nesses dias desencantados.
O homem contemporâneo é o homem que perdeu a inocência. Dificilmente nos sensibilizamos com uma notícia, mesmo com as instantâneas notícias da televisão ou da internet. Nada mais nos afeta, nada mais nos dá esperança. Vivemos por uma individualidade que dia a dia se enlouquece num jogo em que abundam ferramentas, mas que nos escapou o sentido.
Como escreveu Daniel Piza em um texto sobre os sentidos do romantismo: “Em kafka, por exemplo, é justamente por precisar tanto de esperança que o ser humano mata a esperança”. Então, agora, certamente em Kafka o ser humano, depois de ter matado a esperança, agonizaria num mundo pós-utópico.
Tenho a terrível sensação de que vivemos um erro; o ser humano é como aquele que simplesmente não deveria estar mais ali, um jogador num jogo de cartas, que mesmo após ter sido derrotado insiste em permanecer jogando.
Não disse que se tratava de um desenganado crônico?

4 comentários:

Anônimo disse...

somos todos desenganados!!! assim o mundo nos faz. Gostei pra cara...

Jocelino Freitas disse...

Muito bom o seu blog.

Parabéns

Gustavo disse...

É, escreves bem.
Saudade de ler algo sério e com opinião, mesmo.

Abs

Anônimo disse...

Barbinha adorei esse texto, poderia ficar aqui elogiando-o muito mais, mas vou me bastar a isso......PARABÉNS!