terça-feira, maio 27, 2008

'Há uma grande ironia nos tempos atuais que pouca gente tem notado. É o que se fez com o conceito de moderno. Qualquer pessoa que mergulhe na história da afirmação da modernidade, naquele arco de tempo que vai de 1875 a 1925, digamos - ou maior ainda, de Baudelaire a Buñuel -, sabe que a cultura modernista veio em reação a um mundo governado por aparências, por hierarquias formais, por julgamentos baseados em estigmas. Pois bem. Às avessas, o mundo continua, nesse quesito, praticamente o mesmo. Todos continuam mais interessados nas aparências, para não dizer que estão ainda mais interessados do que estavam nos tempos dos "bons costumes". O sentido moral é outro, ou disperso, mas o cerne é igual. A nova uniformidade é a diversidade."

Um aspirante a escritor é chamado de "O poeta!" em seu pequeno círculo de relacionamento, mesmo que poucos tenham lido mais do que duas linhas de seus escritos. A secretaria do advogado recém formado insiste para que o título de Doutor preceda o nome de seu patrão, e ela mesma esconde o sorriso se a chamarem de recepcionista. Uma jovem bonita e vaidosa (para não dizer narcisista) escreve em seu perfil: "Você tem estilo? Tenha o seu!" e se convence que tem talento para moda, mesmo sem nunca ter se perguntado porquê surgiram os óculos escuros. Turma de amigos se acha especial porque está curtindo dias de férias
entre rostinhos bonitos num país em que se fala outra língua. Executivos se acham "very-important-people" porque usam termos em inglês em reuniões de negócios. Gananciosos frustrados se iludem com qualquer maneira de ganhar dinheiro, desde criar um blog ou escrever letras de música. Uma pelada entre amigos dá lugar a competição entre desconhecidos.

No dia-a-dia o termo moderno só é aplicado às pessoas que se vestem com modelos de roupa recém lançados e mais conceituais, ou para aqueles que têm uma postura mais flexível em seus relacionamentos, como aquela esposa que permite que o marido cultive uma amizade mais próxima com outra mulher. "Ela no mínimo, é modeeerna!"

É isso aí... a modernidade.


2 comentários:

Vinícius Remer disse...

É você está certo,
e eu que pensava que já podia
me denominar um poeta,
sem saber que a denominação só cabe ah mim e ninguém me chama assim.

Muito bom o texto.

Gustavo disse...

é, é.

modernas chatices da modernidade.